Em 2001 o motor S54 da BMW recebeu o prémio international "Engine of the Year". Nos cinco anos seguintes, na sua classe, venceu sempre com a mesma unanimidade, só sendo destronado este ano pelo novo motor turbo da Porsche.
O S54 estreou-se no lançamento do M3 em 2001 e na altura espantou tudo o que era jornalista de revista pela forma como combinava o mais dócil trabalhar numa ida ao hipermercado, com a performance brutal de uma máquina de competição. Falava-se então de uma faixa de utilização quase infinita, desde o ralenti até às oito mil rotações, valores de potência específica só ao alcance dos magos das corridas, com um consumo de um Golf GTI.
Maravilhas de comportamento e equilíbrio, descritas em infindáveis testes e comparativos por esse mundo fora. Ainda no ano passado me lembro de ler uma apreciação do Jeremy Clarkson à última versão do M3 de seis cilindros, em que descrevia este carro como a "joie de vivre" sobre quatro rodas ao alcance de quase todos - pelo menos no Reino Unido, porque no nosso "jardim à beira mar plantado" com IA e IVAs...
Isto tudo para descrever este retrato do automóvel, encontro menos efémero que todos os outros, mas mesmo assim infinitamente pequeno para que pudesse satisfazer os voluptuosos desejos que se me despertavam na presença de tal viatura.
Foi um bom e velho amigo, provavelmente lembrado da eleição que fiz desta máquina para uma das 49 mais belas de sempre, que me recebeu no Aeroporto da Portela e me disponibilizou o seu BMW M3 cinzento prata, para que dele pudesse usufruir nestas duas semanas de férias em que matei saudades da sardinha assada, do bacalhau e do leitão à Bairrada.
Ia finalmente perceber porque é que os tipos que testavam este carro acabavam sempre com um sorriso idêntico ao do Jack Nicholson (Joker), no primeiro filme do Batman.
Os tipos dos ensaios recebem os carros directamente das marcas, num puro acto de simbiose comercial. A mim o carro foi-me cedido num acto que hoje, passados 3200kms, posso apenas considerar de um altruísmo e generodidade de dimensões bíblicas. Falamos de um filantropo automobilístico num gesto só comparável ao de termos a Jenna Jameson a viver lá em casa e irmos pô-la a brincar a casa de um amigo.
Pouco depois de rodar a chave na ignição percebi de imediato que com este carro há uma coisa para a qual temos que estar preparados, os atrasos serão uma constante, nunca mas nunca se consegue chegar a horas a qualquer lado. Em duas semanas não consegui chegar uma única vez a tempo, fosse para uma jantarada com os amigos, fosse para uma visita aos sogros. Pura e simplesmente porque este carro é de tal maneira viciante que se acaba sempre por fazer o caminho mais longo, ou dar mais umas voltas na rotunda, invariavelmente fazem-se sempre mais kms que o necessário, tal é a dependência que se cria daquele volante.
Sobre a bela carroçaria não me vou debruçar pois já o fiz anteriormente, digo apenas que é suficientemente discreta para se fazer notar só entre os conhecedores, o resto da rapaziada vai achá-lo diferente mas sem sequer se pronunciarem, o que para mim é uma vantagem. Na estrada, se formos suficientemente devagar, é um autêntico aspirador de tunnings e aceleras, sendo que todos se tentarão colar à nossa traseira - nada que uma leve pressão no pedal direito não resolva.
Sobre a condução começo por dizer que é um carro que se conduz perfeitamente na lida diária, andando sem bater desde as 1000 rotações, podendo-se fazer tudo o que um normal utilitário faz da mais civilizada das maneiras, mas só até às 4000 rotações. A partir daqui, acordamos um animal completamente infernal, com um ronco só semelhante ao do cão de guarda de Satã. A subida de rotação das cinco mil até às 8 mil é estonteante e se tivermos ligado o botão do modo "Sport", chega a ser assustadora - já andei em algumas máquinas de corrida mas nada me tinha preparado para tal.
Este botão é o melhor botão que alguma vez encontrei em qualquer máquina criada pelo homem, uma vez ligado apimenta tudo ainda mais, a resposta do acelerador e a direcção ficam tão directas que sentimos que de alguma forma o carro responde telepaticamente ao nosso mais simples e perverso pensamento. Ao lado do botão mágico está o botão proibido, aquele que desliga todas as ajudas electrónicas e que se não existisse transportaria a apólice do seguro para o nível da dívida pública do Burkina Faso. Não se pense no entanto que este botão funciona como qualquer tipo de cinto de castidade da condução, pois os tipos da Motorsport programaram-no para o tamanho de um coração de uma pessoa normal, de forma a que se possa soltar a traseira num "drift" controlado sem que a adrenalina nos provoque algum enfarte. Para os valentes pode-se sempre ter uma besta indomável a varrer a estrada de um lado para o outro e a andar mais para o laddo do que para a frente.
A cereja no topo do bolo é mesmo o consumo, com uns honestos 12 litros de combustível por cada 100 kms, algo que hoje em dia significa muito mas que perto das sensações proporcionadas se torna irrisório, afinal enquanto reabastecemos sempre ganhamos fôlego para mais umas curvas e ter 340 cvs debaixo do acelerador é algo que quase não tem preço.
Para terminar há que dizer que na estrada praticamente nada passa pelo M3, a não ser que seja conduzido por um Hamilton ou um Loeb. Os limites deste carro já se encontram muito para lá da percepção natural, estão numa espécie de Triângulo das Bermudas da condução.