Há carros, como por exemplo o Toyota Corolla Touring de 98, o Ford Scorpio de 94, ou qualquer um dos Ssangyong, que nos dão arrepios devido ao seu aspecto exterior e por essa razão sentimos-nos muito mais confortáveis quando estamos dentro deles. Pelo menos, quando sentados ao volante, não conseguimos ver as suas formas aberrantes.
Há outros carros em que gostamos de estar ao volante devido à excelência do seu comportamento, à diversão que nos proporcionam, ao conforto em longas viagens, ou porque o seu interior é extremamente atraente.
Por outro lado, há carros como o Peugeot 406 Coupe, em que gostamos mais de estar no seu exterior do que no interior. Não que o interior seja um sítio desagradável para se estar, mas as formas da sua carroçaria, absolutamente cativantes e capazes de serem observadas durante momentos intermináveis, levam a que tal aconteça.
Muita gente apelidou este carro como o Ferrari francês, pois as similaridades com o 456 são mais que muitas, ou não tivessem os dois automóveis saído dos estiradores do atelier Pininfarina, praticamente ao mesmo tempo. A traseira do 406 Coupe, é particularmente soberba, na forma como consegue conjugar os diferentes volumes do pilar, do guarda-lamas e da mala. Na frente as coisas não foram tão bem conseguidas, especialmente no restiling, mas isso não significa que este carro não seja um dos mais bem conseguidos da última década.
Fiz bastantes kms num destes carros, na cor que lhe assentava melhor, cinzento prata, na versão 3.0L V6. Percebia-se que a Peugeot se tinha proposto criar um GT francês, um grande rolador de cariz desportivo, capaz de percorrer grandes distâncias a velocidades superiores ao dobro do limite de velocidade, sempre em estilo e com o máximo conforto. Um carro que fosse capaz de sair dos Campos Elísios após um pequeno-almoço atrasado e levar-nos a tempo para jantar no casino de Monte Carlo, já com o “check-in” feito, o “smoking” vestido e uma garafa de Clicquot bebida como aperitivo.
Por este ser um carro do qual gostei bastante, pelo esforço meritório feito pela Peugeot para lançar uma escultura automóvel acessível a grande parte do público e pelo respeito que tenho pelo dono deste automóvel (bom e velho amigo), vou tentar ser sensível na forma como o avalio em relação ao propósito que esteve na sua génese. Como GT, o 406 Coupe era simplesmente um desastre!
O aspecto e elegância estavam lá, o motor era agradável, se bem que muito aquém de algo que se possa chamar desportivo, a habitabilidade e a mala eram generosas, mas tudo o resto que deve existir num GT, não estava lá.
A suspensão era a reinterpretação rebaixada do colchão de água. Tinha um botão que supostamente a tornava mais firme – esta era a parte desportiva da coisa – mas que na realidade, tudo o que fazia, era acender mais uma luzinha no tablier. Os travões tinham “Brembo” marcado nas pinças, mas isso era o que de mais “racing” por ali havia.
A direcção era “muda”, não transmitindo absolutamente nada do que se passava com as rodas, era como se estivessemos sempre a conduzir numa estrada de algodão doce. A caixa de velocidades não era má, em termos de precisão, mas borrava a pintura com um escalonamento infinitamente longo, muito devido ao facto de não existir uma sexta velocidade.
Tudo isto eram coisas perfeitamente ultrapassáveis se se fizesse uma utilização apenas em auto-estrada, pois o carro permitia grandes tiradas, a alta velocidade, não fosse o facto de mesmo com o tecto de abrir fechado, os barulhos aerodinâmicos causados por este, serem maiores do que se fossemos de descapotável.
O caldo entornava-se completamente quando tentávamos ouvir rádio, componente fundamental a qualquer grande viagem. Não era um daqueles rádios que só captam as grandes estações, ou daqueles em que o RDS não acompanha a mudança de frequência de zona para zona. O rádio do 406 Coupe, pura e simplemente não apanhava nada! Talvez esteja a exagerar um pouco, pois se conseguíssemos estacionar dentro do estúdio da Antena 1, então, com os vidros abertos, éramos capazes de escutar a informação do trânsito.
Era, no entanto, um carro fantástico, se bem que cheio de contradições, com aspirações e aparência de alta nobreza, mas com a etiqueta e as maneiras da plebe. A Peugeot acertou naquilo que normalmente é mais difícil de atingir, a estética e elegância. Acertou naquilo que da inspiração dependia e falhou em tudo o que da transpiração deveria ter derivado.
Foram todas essas contradições que me transmitiram a sua alma - porque só as coisas imperfeitas a têm - mostrando-me que a sua essência se encontrava na "souplesse" do seu movimento, na maneira suave como fazia virar cabeças ao deslizar rua abaixo. Era aí que estava o seu encanto, como uma peça bela de alta costura, que adoramos na passerelle, mesmo sabendo que alguns aspectos práticos não estão completamente resolvidos.
A imagem da Sophie Marceau, na sua habitual sensualidade e elegância, num longo vestido de noite de costas abertas, a sair pela porta principal do casino e ao levantar o braço para acenar ao rapaz do estacionamento, deixar a descoberto uma zona axilar por depilar, tão farfalhuda quanto a barba do Bin Laden, é a algo que me vem à cabeça quando tento descrever o 406 Coupe, sem no entanto deixar de achar a Sophie uma mulher estonteante, assim como o 406.
Nunca foram, no entanto, pormenores de funcionalidade que impediram algum automóvel de entrar na lista das 49 mais belas máquinas de quatro rodas, sendo que o Peugeot 406 Coupe, figura aqui por direito e mérito próprio como o mais bonito carro produzido pelos gauleses nas últimas décadas.