Nunca abordei aqui o caso sobre a participação do presidente da FIA, Max Mosley, em actividades sado-maso e da supostamente exigível resignação do cargo, decorrente dessas mesmas práticas de índole privada.
Não abordei o caso, primeiro por não ter nada para opinar acerca das festas que cada um dá, de livre e espontânea vontade, na sua intimidade e em segundo porque estava na expectativa para ver como esta vilanagem toda iria acabar.
Goste-se ou não, Mosley foi eleito como o presidente da FIA, uma entidade federativa que tem como principais funções a regulamentação e fomento do desporto automóvel, zelando ao mesmo tempo pelos interesses dos seus membros, as federações e clubes nacionais, normalmente relacionados com o desporto motorizado ou com a utilização do automóvel e rede viária.
Ele preside e representa um mundo ligado aos automobilistas e ao automóvel. Não foi certamente eleito como o defensor supremo da moral e dos bons costumes, nem como o paladino das práticas sexuais com efeitos unicamente reprodutivos, realizadas dentro do matrimónio, de luz apagada e na posição de missionário.
Acho portanto que esta campanha visando a sua destituição, liderada por tantos que no passado o louvaram, baseada nuns açoites no rabo infligidos por umas jeitosas vestidas com umas roupas da colecção Primavera/Verão de 1939, é do mais cínico e cobarde já visto no mundo automóvel.
Onde é que estavam estes marcos de virtude, no passado? Onde é que estes bravos lutadores pela causa automóvel andaram nos últimos quinze anos? Algum deles saiu a terreiro para criticar o fraco desempenho de um presidente, naquilo em que ele deve ser criticado, na realização daquilo para que foi eleito?
Com Mosley, desde 1993, observaram calados à eliminação quase final do espectáculo nas corridas de F1, com barbaridades óbvias a nível da regulamentação, como a eliminação dos pneus slicks, redução da largura de vias e mais de dez anos de liberalização electrónica e aerodinâmica. Muitos poderão dizer que o inglês teve o mérito de tornar o desporto seguro, mas mesmo isso é duvidoso uma vez que apenas reagiu após um dos acontecimentos mais trágicos do automobilismo, a morte de Ayrton Senna.
Para além do marasmo competitivo que provocou na F1, aniquilou completamente o WRC, com devaneios como os Kit-car e os S1600, que mais não serviram do que dispersar energias dos já poucos construtores interessados nas provas de estrada. De realçar ainda, o completo desprezo pela categoria que segurou um sem número de campeonatos quando tudo o resto falhou, os Grupo N – ainda hoje me surpreendo com o facto da Mitsubishi e da Subaru, chapada após chapada, continuarem peregrinamente a apoiar o este desporto.
Se durante estes anos de Mosley as duas categorias principais ainda mereceram alguma atenção, o resto foi pura e simplesmente paisagem, com o TT a existir somente graças ao Dakar, algo de incompreensível quando nunca antes houve tantos construtores a fazerem carros 4x4 ou semelhantes inspirados em veículos TT.
De igual forma assistimos a anos loucos na construção de desportivos, GTs e super-carros, sem que isso se reflita na competição de circuitos, onde o que existe é meramente suporte às 24 horas de Le Mans.
Falando de circuitos, o que vimos no Domingo, com a grelha de partida do WTCC cheia de carros de diferentes construtores, deve-se essencialmente a um canal de televisão (Eurosport) que decidiu arregaçar mangas e propor algo de apetecível aos participantes.
Se pedissem agora a cabeça de Max Mosley por estes quinze anos ruinosos à frente dos destinos do desporto automóvel, mesmo se fossem os mesmos que o elegeram há bem pouco tempo atrás, compreendia-se e por estes lados até se aplaudia.
Fazê-lo porque um jornal quis vender mais um exemplares e para isso quebrou, sem qualquer réstia de pudor, os mais básicos princípios do direito à privacidade, mostrando ao mundo algo que dizia apenas respeito aos seus participantes, é do mais hipócrita e cobarde aproveitamento político.